Longe de estar gelado, nas ruas fervilhantes do Calçadão era possível a sensação de uns 40°. Sob o calor dessa tarde abafada, por entre as pessoas, as coisas e os cães sarnentos, se observa a figura de um homem simples. Na singeleza dos movimentos que davam forma a sua tarefa diária, abria sem pressa o isopor cheio de sabores: cupuaçu, amendoim, morango, leite condensado e coco. Pouco lhe importava a quentura do clima junino ou o passar do tempo. Como instantes congelados, a vida parecia estar presa naquele único momento.
A exemplo de todos os ‘Ribamares’ Maranhão adentro, José de Ribamar Aguiar dos Santos, trazia consigo a sina de um sertanejo em busca do melhor. De um melhor trabalho ou de uma melhor esposa, mas acima de tudo, de um melhor futuro para os seus “meninos”. Eles eram três: dois meninos e uma menina.
Na missão de fazer de seus “meninos” homens de largos horizontes, Ribamar, compartilha seus planos para o filho mais velho: “Agora mesmo coloquei ele no Teorema, pra fazer Cefet”, e completa: “ Eu quero a faculdade pra ele também”. Orgulhoso o pai comenta, “a média dele é só acima de 8”.
Sobre projetos pessoais, ri timidamente, quando indagado a voltar aos estudos. Tem a pretensão de quase nada. Não quer ser advogado, não quer fazer faculdade, no máximo cogita um concurso público para Prefeitura. Sem a vaidade daqueles que buscam o sucesso a todo custo, julga a si mesmo como um homem honesto, que requer apenas o direito de vender seus geladões nos dias de calor.
Mas frisa, “e tenho um ponto lá em casa. A gente, além disso aqui (geladão), vende picolé, sorvete e guaraná da Amazônia”. Talvez na intenção de não ser condenado, relata também a história bem sucedida de seus irmãos, que como ele, saíram de Fortaleza dos Nogueiros e foram para Imperatriz à procura de um emprego.
Fortaleza dos Nogueiras é um municio do interior do Maranhão, com cerca de 12 mil habitantes, que fica as 500 km de Imperatriz. Ribamar explica a falta de oportunidades na cidade e confessa “não agüentar” passar mais de dois dias por lá.
“Minha irmã veio morar pra cá e depois eu vim, e depois veio outros irmãos meus”, relembra Ribamar, que há 11 anos mora em Imperatriz.
A situação em Fortaleza dos Nogueiras não é fácil. Não se tem a diversidade de ambulantes que habitam todos os dias o Calçadão.“Trabalho só na roça, ou ficar em casa mesmo”, diz o vendedor.
Recém chegado em Imperatriz, morou por uns tempos na casa da irmã. Trabalhou, a princípio, como vigia e auxiliar de serviços gerais, na “escolinha particular” da família, no São José. Mas a escola fechou, a irmã trocou de “ramo” e Ribamar teve que empreender outro projeto. Então começou a vender geladão no Calçadão. Nos dois. Das 13:00 h às 16:00h fica em frente ao Paraíba. E das 16:00h em diante, passa para o 2° Calçadão, situado um pouco depois do Bazar Ipanema. E revela, “tem dia que vende 100, outros 150”.
Indignado, fala também da inveja do povo do Santa Rita - bairro onde mora - . Da fofoca, quando ele aparece com portões e janelas novas para sua casa. Pela primeira vez transparece algo que não seja calma ou passividade.
Ribamar construiu sua casa própria no bairro, através do dinheiro da venda do geladão. Mas apesar disso os “vizinhos fuxiqueiros” duvidam que se possa realmente ganhar dinheiro vendendo os galados.
Porém, sem desanimar com o eventual episódio, segue com as vendas. Tranqüilo e atencioso com os clientes, reponde baixinho, aos berros de um mais atrevido que pergunta: TEM DE QUE?
Ribamar, que há 6 anos vende geladão para os transeuntes do Calçadão, se despede com a mesma brandura na qual nos recebeu. Em posse de sua bicicleta, adaptada para comportar dois grandes isopores, segue pedalando rumo ao prazer de viver a sua escolha.

